Foto: ONU/ Divulgação: uol
Ouço, vejo, penso e estremeço com as notícias do Haiti, sem consegui me desligar do enredo de “A Peste”, lido nos dois primeiros dias deste ano. A velocidade da leitura, nesse caso, se deveu menos a minha voracidade de leitor e mais à perícia de Michel Camus na condução da narrativa, produzindo em quem a lê a mesma tensão de quem está aprisionado num lugar açoitado pela “peste”.
Narrado em terceira pessoa, embora pudesse ter sido feita em primeira, como se revela no epílogo, “A Peste” tem a particularidade de ser um relato de homens, quiçá porque seja predominantemente de varões a autoria das bestialidades do nazismo sobre a França de outrora, de que o livro seria uma parábola, como bem poderia sê-lo da não menos cruel a calculada pauperização de muitos povos, de há muito e até à nossa geração, entre eles o Haiti.
O cenário é descrito como uma cidade comum que não passaria de uma “prefeitura francesa na costa argelina”, por onde as personagens evoluem da cínica indiferença à desesperada ação coletiva solidária, ao sabor das ondas da morte que engolfam a todos, começando pelos ratos e chegando aos notáveis, como políticos, juízes e clérigos.
Envolvente e irresistível, a peste verga a gente para o bem e para o mal. À medida que avança, dessacraliza ritos e brutaliza pessoas, enquanto a outras humaniza mais funda e definitivamente. Após sua sinistra jornada, a peste vai embora tão arbitrariamente quando chegou e deixa sobre Oran a dúvida, ameaça ou certeza com que Camus encerra a obra: “Um dia acordará os seus ratos e os mandará morrer numa cidade feliz”.
Oran? Haiti? Aqui?
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