Quase duas décadas depois dos primeiros contatos, quando era professor na então Faculdade de Ciências e Letras de Iporá (hoje UEG), as cartas de sóror Mariana Alcoforado entraram aqui em casa, com a sedução de sempre. Trata-se de cinco cartas, escritas em meados do século XVII, supostamente de uma freira portuguesa para um militar francês que fora seu amante quando em campanha e que a teria abandonado. Nos três séculos que separam a primeira publicação e os dias de hoje tudo tem sido posto em dúvida, especialmente a existência da freira e do cavaleiro e a autenticidade das cartas, com apaixonados ataques e defesas. Sobre o que não pode haver dúvida é sobre a qualidade literária do texto, tido por muitos como o mais significativo das letras lusitanas desde Camões. Quer ler um trechinho para sentir o sabor?
"[...] Consumiste-me com as tuas assíduas perseveranças; ...inflamaste-me com os teus transportes, encantaste-me com as tuas finezas; ...asseguraste-me com os teus juramentos; ...a minha inclinação violenta seduziu-me, e as consequências destes começos, tão agradáveis, e tão venturosos, não são mais do que lágrimas, gemidos, e uma funesta morte, sem que possa achar-lhe algum remédio!"
Imagem captada de: http://www.museuregionaldebeja.net/sorormarianaalcoforado.htm
domingo, 22 de agosto de 2010
domingo, 15 de agosto de 2010
A cor da miséria
Recomendo, entaticamente, a leitura do especial do Jornal do Comercio, de Pernambuco, a respeito do recorte étnico-racial da miséria do Brasil, no contexto de comemoração do centenário de morte do abolicionista Joaquim Nabuco. Com linguagem jornalística envolvente, assentada em casos que ilustram com precisão as camadas de reflexão desenvolvidas, Fabiana Moraes não descuida de uma pesquisa cuidadosa e rica de diversas fontes científicas que desmascaram o sempre vacilante (porém vivo!) mito da democracia racial brasileira, numa matéria valorizada pelo tratamento visual dado ao caderno como um todo.
Para ler o especial na íntegra, clique aqui!
domingo, 8 de agosto de 2010
Mané de Jorge
Em janeiro meu pai completou 70 anos e eu não pude participar da festa. Hoje é dia dos pais e eu estou a 2 mil quilômetro... Não custa correr o risco de enviar, outra vez, a mesma "carta" ridícula...
"Todas as cartas de amor são
ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
como as outras,
ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
têm de ser
ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
sem dar por isso
cartas de amor
ridículas.
Afinal,
só as criaturas que nunca escreveram
cartas de amor,
é que são
ridículas."
(Trecho do poema "Todas as cartas de amor são",
de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa)
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
22. CHAGA - "Buraco do Tatu"
Esse era o nome do lugar mais misterioso e proscrito da, agora, sesquicentenária São Bento do Una, minha cidade de origem. O motivo era óbvio: Buraco do Tatu era o lugar dos cabarés para onde os homens da cidade escapuliam no breu da noite e onde as quengas se escondiam durante o dia, em casebres de taipa sem reboco, no caminho do esgoto que escorria de toda a Avenida Manoel Cândido e da Rua Cira Mota, vindos tanto do nascer quanto do pôr-do-sol. Quem estudava no Colégio Estadual precisava dar uma volta quase lá pela Cilpe ou pela rua do Armazém dos Cadetes só para não cruzar nenhum dos proibidíssimos becos do Buraco do Tatu. Menina, então, dependendo da piedade cristã da família, não podia nem pronunciar o nome... Meninos ficavam na dúvida, alguns ansiosos outros aflitos, se o pai um dia ia arrastá-lo pra lá, como quem atravessa o portal de acesso ao universo dos machos. Isso durou mais de dois terços dos 150 anos de São Bento, até que um prefeito messiânico com nome composto resolveu “cristianizar” a cidade, tirando as putas para um canto afastado e transformando o lendário Buraco do Tatu numa insossa Rua da Alegria, que tá lá até hoje. Quem sabe, porém, que por baixo dessa Alegria jaze um Buraco do Tatu ainda passa cabreiro por aquelas imediações.
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