quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A elegância do auriço

Esse é o título do livro de Muriel Barbery, que habitou minha cabeceira nos últimos dias, do qual me despedi hoje à tarde. Estava com saudade de uma leitura dessas cuja obrigação é apenas nos arrebatar com o poder sugestivo das palavras "bem ditas", sem nada de conceitos a serem assimilados ou contestados... Numa época de tantas ansiedades pelas seleções acadêmicas de amigos e, portanto, também minhas, mando um trecho dos que, como no princípio, escrevi no caderno que registra as palavras que me arrancam de uns e me plantam em outros solos:

"Lembro-me de toda aquela chuva... O barulho da água martelando o telhado, os caminhos inundados, o mar de lama nas portas de nossa fazenda, o céu negro, o vento, a sensação atroz de uma umidade sem fim, que nos pesava tanto quanto nos pesava a nossa vida: sem consciência nem revolva. Estávamos apertados uns contra os outros perto da lareira quando, de repente, minha mãe se levantou, desequilibrando toda a turma; surpresos, nós a vimos dirigir-se para a porta e, movida por um obscuro impulso, escandará-la. [...] Na moldura da porta, imóvel, os cabelos grudados no rosto, o vestido encharcado, os sapatos cobertos de lama, o olhar parado, estava Lisette. Como minha mãe soubera? Como essa mulher que, embora não nos maltratasse, jamais dera a entender que nos amava, nem com gesto nem com palavra, como essa mulher rude que dava à luz seus filhos da mesma maneira que revirava a terra ou alimentava as galinhas, como essa mulher analfabeta, embrutecida a ponto de nunca nos chamar pelo nome que nos dera e que duvido que ainda lembrasse, soube que sua filha semi-morta, que não se mexia nem falava e olhava fixo para a porta sob a chuva torrencial sem sequer pensar em bater, esperava que alguém abrisse e a fizesse entrar no calor?" (BARBERY, Muriel. A elegância do ouriço. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 307-308)

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