Sou um carola: pronto. Contei. Basta o sapato apertar um pouquinho, minha piedade vem à galope, mais ou menos do jeito que, no auge da minha guerra de independência adolescente, uma lâmpada da cozinha explodiu bem quando eu passava debaixo dela e, sem qualquer controle, soltei um berro de bezerro apavorado: “Mamãe”. Ainda bem que não tinha ninguém em casa pra testemunhar o vexame de, na hora “h”, pedir colo justo da minha maior inimiga da época: dona Maria Auxiliadora. Segredo guardado por mais ou menos 30 anos, claro...
Mais ou menos assim, estou eu, agora, nesse tempo de completa desinstalação, afrouxando as rédeas da laicidade cética e com vontade de, toda manhã de domingo, correr para o colo da mater eclesiae. Primeiro foi aquele episódio do sino na hora de ir ao mercado, que eu já contei... Duas semanas depois, não foi sino nem nada: quis ampliar minha espécie de turismo evangélico, participando do culto da Igreja Anglicana de São Mateus, que fica nos fundos do prédio onde moro. Chegando lá, tive de eu mesmo abrir uma porta monumental, sempre estranhando que as igrejas de cá não tenham as portas abertas (quem sabe por razões climáticas...), subi uma escadaria carcomida e dei de cara com uma mulher de meia idade, óculos de aros pretos e largos, com voz de quem tem faringite ou se comunica em permanente falsete: era a Reverenda Dr.ª Cathy Campbel, viria a saber depois, que me olhou tão fundo nos olhos e me acolheu tão afetuosamente, que as minhas intenções turísticas começaram a ruir.
Daí pra frente veio o culto, uma casula ornada com patchwork, alguns cantos de Taizé e uma liturgia que chegou a ficar estranha de tanto que me era familiar, com alguns deslocamentos, que acredito serem aprovados até pela Sagrada Congregação da Rede Celebra, como, por exemplo, o cumprimento da paz trazido já para o começo do culto e a partilha eucarística de vinho de verdade e pão caseiro, graúdo, reconhecido como tal inclusive pela aparência, ambos compartilhados entre todos os mais ou menos 40 que éramos no primeiro e no domingo passado.
Sim, não segurei a onda: domingo passado fui parar na São Mateus, às 11 horas, como sempre, para escutar mais uma vez, o pedido de desculpas da pastora pela indisponibilidade de microfone e a renovação da promessa de que na quinzena de novembro os cultos voltam para o outro espaço que, se entendi bem, fica no subsolo de uma igreja grande e em reforma, aparentemente sem dinheiro suficiente para tal. Dinheiro, aliás, tem a ver com o segundo motivo da minha fisgada: toda a homilia do primeiro culto foi de mobilização da comunidade para aderir à campanha contra a fome no mundo, com participação de 32 denominações.
Nesse domingo agora, ao invés da pastora, a homilia foi compartilhada pelas três mulheres e um homem, que representaram a comunidade no sínodo episcopal, onde, entre outros temas, foi discutido o desafio do relacionamento com os povos originários e a acolhida de casais homossexuais, aprovada, segundo relato de uma pesquisa, por 78% dos anglicanos destas paragens.
Quer dizer, uma pequena comunidade, que transpira espiritualidade e acolhida, sensível ao sofrimento dos pobres e de outras minorias em direitos, promotora de participação, treinada em uma ritualidade mais para monástica e instalada nas vizinhanças da minha solidão... corro sério risco, de domingo que vem, tomar daqueles mesmos vinho e pão.
Ficou legal bastante esse seu relato. gostei.
ResponderExcluirQuerido não perca o próximo Domingo!Bjim
ResponderExcluirpois é amigo!espiritualidade e acolhida: é tão simples... abração!
ResponderExcluirai, ai, que saudade de você! Eu acho que você vai mesmo... eu iria hahahaha. Beijos
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