Em toda essa trajetória, tia tem sido autônoma e trabalhadora ao extremo, ao mesmo tempo em que é uma controvérsia em pessoa: ranzinsíma com uns, humoradíssima com outros, sem nenhuma habilidade ou vontade de disfarçar antipatia ou bem-querer. Como, felizmente, estou na bando dos bem-quistos, um dos meus momentos preferidos toda vez que volto a São Bento do Una, minha cidade natal, é passar horas com tia Senhora, ouvindo as mesmas velhas histórias, contadas com precisão científica, sobre a epidemia que matou a mãe e dois irmãos dela em 1925, as viagens a pé de Pernambuco para Juazeiro do Padre Cícero no Ceará nos anos 1930, os serviços que ela prestava para uma senhora japonesa em São Paulo, nos anos 1950 e os anos que trabalhou vendendo água em lombo de burro, em Garanhuns, na década seguinte.
Também gosto das ciências de tia Senhora, abstraidas da empiria cotidiana, como a teoria de que as hortências ganham as cores do vestido da mulher que as plantou ou a perigosa hipótese de que muito sangue provoca dor nas pernas. Essa última foi concluída depois que ela furou o pé mexendo nos milhões de trecos que são guardados porque "um dia a gente pode precisar" e, depois disso, a dor daquela perna passou. Logo, o que causava a dor era o sangue perdido no acidente: "Dá vontade de furar a outra perna", diz ela. Há também a teoria de que a asa-branca que viveu mais de 15 anos veio a óbito porque ela (tia Senhora) colocou veneno para matar as muriçocas, as muriçocas cairam na gaiola, a ave comeu as muriçocas e morreu envenenada tambem. Já a longevidade do galo-de-campina que já poderia ir para o exército, porque tem impressionantes 18 anos, será assunto para um professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, onde um dos meus sobrinhos estuda Veterinária, porque fora o método de tia Senhora, ao que parece não há registro na literatura de passarinho com tantas eras.
Toda a minha gratidão a Eliane, meu cunhado e meus sobrinhos que agora abriram a casa para fazer por tia Senhora o que seria igual responsabilidade de uma dezenas de nós outros descendentes, e o meu desejo de que essa convivência seja tão rica e prazerosa como foram os anos em que vivemos juntos, antes de eu me mudar para Goiás, ou as minhas tardes de férias em São Bento transitando nos universos fabulosos dessa mulher absolutamente singular.
"Leitura prazerosa! É sempre muito bom ler seus textos. Além da riqueza dos detalhes, a forma como costura as palavras e torna o enredo de tal forma envolvente, que dá vontade de que fosse um livro"-Amanda Cavalcante
ResponderExcluirEu também , quando leio seus textos fico imaginando um livro cheio de relatos e experiencias desta nossa família singular. Seria uma viagem deliciosa entrelaçando vidas que diante de todas as lutas se transformaram em personagens únicos. Faça isto por nós, nos de este presente. Stela
ResponderExcluirDelicioso pedido, Amanda e tia stela... Este é um dos meus projetos de vida... Obrigado pela acolhida generosa!
ResponderExcluirQue texto lindo e que atitude de compaixão e cuidado de Eliane e família para com a nossa velha Senhora. Entre pontos, vírgulas e sentenças bem contruídas vou vendo como que bem próximo essa épica narrativa. beijos
ResponderExcluirGosto quando vc gosta, Dene... E registre-se sua altíssima moral com a velha Senhora: "é mesmo que ser meu sobrinho", vive dizendo a todo mundo...
ExcluirNem preciso dizer o quanto curto o teu olhar sobre as cousas, que alegria te ter e a tia Senhora... Nossa mãe foi as lágrimas pela intensidade de sua fala, pela alegria de ter uma família unida em favor do bem comum.
ResponderExcluirVanuzia Brito
Que bom que temos tia Senhora, sim, Vanuzia, e que estamos tão certos de ter uns/umas aos/às outras/os... Fico também admirado com a alegria de mamãe por tia, a quem ela quer bem sem nenhuma obrigação "sanguínea"... Um beijo pras duas!
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