domingo, 30 de dezembro de 2012

Um tempo tátil

Graças a um presente do Reginaldo Rosa, ao longo de 2012 revivi uma experiência mágica da minha infância que é retirar a página do dia da Folhinha do Sagrado Coração de Jesus, que os franciscanos reproduzem religiosamente deste não sei quando. Naquela época me sentia uma espécie de "senhor do tempo", prestando o serviço doméstico de estampar o nome, a cor, o número, a lua, o santo e um cento de outras informações que essa espécie de almanaque espreme em um minúsculo retângulo de papel ordinário, caprichosamente organizado. Nestes últimos meses, especialmente, desvelar a página nova assim que desmontava da cama me dava a sensação de tocar o tempo, imaterial por natureza.

Um detalhe da folhinha que me chama a atenção de modo particular é o balanço dos dias gastos e dos dias restante do ano em curso. Hoje, por exemplo, "-366/ + 0", ou seja, 2012 está nas últimas. Para minha desolação, amanhã não terei um pacote novinho na minha mesa, para curtir o "-1/ + 364". Não terei esse, mas já tenho outro rito, da mesma inspiração: com a mesma sistemática de "- dias vividos/ + dias a viver", tenho registrado no meu caderninho de notas uma sequência do meu ano particular de estágio aqui no Canadá.

Hoje, por exemplo, chego ao 107º dia nessas paragens, como quem chega a uma sexta-feira de semana extenuante. Nada a ver com o dia da semana e menos ainda com meu ritmo corrente de trabalho, dado que estou numa semana de vagabundagem. O "peso" de hoje deriva da saudade da magia que as passagens de ano da minha infância e adolescência costumavam ter. Nos tempos de vacas-gordas, no "dia-de-ano" envergava minha segunda melhor roupa nova, que perdia apenas para a roupa do "dia-de-reis" e era muito mais bonita do que a roupa "de-santa-cecília" e "do-natal". Essas quatro únicas roupas novas de cada ano seriam pouco usadas ao longo do ano novo, porque eram reservadas para acontecimentos especiais, como casamentos, batizados, enterros e outras "festas"...

Por mim, punha a roupa mais bonita já no ano novo, porque nada era mais emocionante do que o apagar das luzes de toda a cidade bem à meia-noite, iluminada por fogos, vivas, seguidos de cumprimentos entusiásticos dirigidos até a desconhecidos. A missa do galo e a procissão de "São-Bom-Jesus" não chegavam nem aos pés em rito, magia e inspiração. Já tive reveillon em Boa Viagem e em Copacabana, mas nada se compara àqueles de antigamente. Certeza que a passagem de logo mais será particularmente "chocha". E sempre me pelo de medo de que a "virada" seja um presságio do ano todo... Misericórdia!

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Lá em casa era assim...


Quando criança, morria de inveja das casas que tinham enfeites de Natal. A árvore sobre a mesa de jantar nunca usada de vó Dorica, por exemplo, devia ter uns 30 centrímetros de altura, já era de um verde desbotado desde que eu me lembro, mas isso não tinha a menor importância. Era um deleite ficar olhando aqueles penduricalhos, todos desemparelhados, de formatos os mais variados. Lembro especialmente de uma "bola" (como chamávamos a todas, independente do formato) com cara de Papai Noel (sem corpo) e outra que era uma espécie de melão-de-são-caetano (comprido e retorcido). A campeã de originalidade, porém, era uma bola-guarda-chuva, cor-de-rosa se não me engano.

Lá em casa, porém, a história era outra: nada de bolas, árvores, nem nada. Acho que não é apenas porque fôssemos pobres e, hoje mais que antes, sei o quanto o éramos, com nossa "fazenda" de vacas com nomes próprios, "Mochinha", "Fofinha" e "Morena" - entre as mais famosas. Penso que esse jeito áspero de mamãe nos educar com economia de fantasia deve-se, em grande medida, à dor sem cura da perda da mãe dela, morta quando mamãe, a mais velha de uma prole de oito, tinha apenas 12 anos. Parece que fazer festa, em alguns momentos, significaria afrontar a memória daquela mulher, cujo luto sem fim parecia ser a forma possível de se reverenciar. Parece também que era a forma de mamãe preparar a gente para a hipótese, felizmente não confirmada, de crescermos sem os cuidados dela.

Eu não entendia direito essas coisas, mas sabia que, no Natal ou fora dele, a história da minha avó era assunto proibido, porque fazia sangrar. Por outro lado não estava disposto a viver sem fantasia, então, pegava carona no presépio da Matriz, sempre montado numa espécie de quarto, à direita do altar (e que já não existe mais), além, claro, da "disney" que era a sala de vó Dorica.

Lá pelos dez anos, mais ou menos, gastei minha mesada na compra de um festão prateado, que seria pendurado em forma de arcos, no portal entre as salas da nossa casa de Açúde Novo. Peguei um galho seco, cobri de algodão, fiz uns bolinhos de papel, coloridos com canetinhas e tivemos nossa primeira, e acho que única, árvore de natal. Odiei. Era um horror de feia, mas deixei lá num canto assim mesmo. Vez por outra ainda me volta à memória a perspectiva de quem deitava no safá e assistia o vento girar o festão, como o fuso brilhante de uma casa-de-farinha voadora, pra lá e pra cá.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Uma queda especial pela dança

Fora a notícia do meu nascimento, que arrastou pra casa metade dos convidados da festa de casamento de Zefa-de-Lianor e João-du-Nizo (quem sabe "João Dionísio" de batismo...), não costumo atrapalhar quem se diverte numa dança, porque considero isso um pecado capital. De todas as artes, a dança talvez seja a que mais me tira o fôlego, seja dançando ou apenas deslumbrado de ver quem dança. Por isso mesmo, quando entro em um teatro para ver um espetáculo, é comum fazer uma força extra para que o cérebro registre tudo e, logo, me dá uma tristezinha de saber que vou esquecer parte das cenas.
Felizmente, ainda moram em mim as lembranças do Balé Popular do Recife, numa apresentação feita em São Bento do Una, quando eu ainda era adolescente; a Gisele do Balé Nacional de Cuba, visto na minha juventude, nos tempos vividos em Havana; a coreografia dos ciclos de vida do cerrado, feita pelo Balé do Estado de Goiás, no começo dos anos 1990, quando estava chegando por lá; espetáculos da Quasar Cia. de Dança ainda com Duda Sharma e Luciana Caetano; Maracatu Nação Pernambuco e muitos outros deslumbramentos sem tamanho... Espero, muito sinceramente, que daqui a alguns anos recorde as imagens que o Royal Winnipeg Ballet, RWB, pintou na minha alma, ontem à noite, entre as quais as cenas desta postagem.
 

Era a estreia do clássico "Quebra-nozes" na cidade e eu consegui ir ao espetáculo com pouco mais de uma dúzia de estudantes da escola de inglês que, como eu, além de dança apreciam um bom desconto. A mais antiga e uma das mais prestigiadas companhias de dança do Canadá, o RWB tem um corpo de bailarinos diverso com a cidade, com gente do Japão, China, Ucrânia, Maldávia, México e Brasil, com dois bailarinos: Luzemberg Santana (Paraíba) e Thiago dos Santos (São Paulo), o primeiro recém-chagado e o outro já nesta companhia desde 2008.
Veja um pouquinho dos bastidores desta montagem, em registros do RWB de três anos atrás.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Primeiro ciclo

No dia seguinte à minha chegada em Winnipeg, uma quarta-feira, me apresentei à escola de inglês em que estava matriculado e, confesso, achei meio exagerada a reação da Katia, que seria uma das minhas professoras, que insistiu veementemente que eu não perdesse a aula da sexta-feira, quando pra mim era óbvio ter o terceiro dia dedicado às providências de chegada, entre as quais, comprar um prato e uma caneca.
Corri como um doido na quinta que me sobrava, e fui para a tal aula da sexta. Não consegui cumprir, entretanto, a recomendação de que eu chegasse meia hora mais cedo e, de cara, tomei contato com o lado Rafikova de Katia, que me deu uma descascada federal de boas-vindas, sem concessões e sem meias palavras. Sabão geral. Para não restar dúvida, aproveitou os 15 minutos antes de iniciar a aula, jogando na minha mão mais ou menos 50 páginas copiadas de uma colega que, para aprofundar meu choque, haviam sido usadas nas quatro aulas que eu perdera.
A esta altura, minha mochila foi jogada de uma mesa para outra, indo parar do lado de um adolescente de aspecto indiano, de quem ainda não sabia o nome, com quem compartilhei a mesa nas três horas de aula, suficientes para a generala russa se convertesse de cara, pra mim, em uma excelente professora, dedicada o suficiente para, ao final da aula, investir mais uma hora do seu tempo para me explicar pessoalmente o programa do curso, organizar as 50 páginas em capítulos (reading, writing, vocabulary and critical thinking skills). Além de me fazer uma lista de compras e me ensinar a chegar numa papelaria, dessas boas da gente se perder o resto do dia, não fosse o cansaço e a quantidade de tarefas que tinha já para o final de semana.
Durante o curso, a água foi subindo sem parar, como você deve lembrar, graças às minhas queixas de noites mal-dormidas e domingos enclausurados na biblioteca da universidade... Catorze semanas depois, na sexta-feira passada, foi a hora de celebrar o encerramento do curso e, principalmente, os muitos ganhos que ele me deu, não apenas no domínio da língua inglesa, mas na estruturação do pensamento e na habilidade de redigir observando lógica, consistência e outros rigores acadêmicos. De quebra, entrei para o seletíssimo rol dos alunos com boa nota e melhor repuração junto à professora Kátia Rafikova, de quem vou receber uma carta de recomendação. Arrisquei por tudo a perder, com uma narrativa visual, apresentada na "formatura", para rir um pouco dos apuros desses três meses e, ufa, a história terminou em abraços e gargalhadas cossaco-tupiniquins.


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O que mesmo o indicador indica?

Do meu longínquo ensino fundamental, que nem assim se chamava, guardo um gosto estranho pelos números, que era a minha preferência, antes de eu me encantar pelas entrelinhas das letras... Um particular que me fascina são os indicadores, que têm o condão de pegar um novelo de complexidades e reduzir a um número, enfiado numa linha e capaz de dizer quem é bom, mais ou menos ou um traste.

Hoje, por exemplo, fiquei curiosão pra saber quem são as universidades que aparecem no topo do IGC (os indicadores têm mais essa tara de se chamarem pelas siglas), no caso, Índice Geral de Cursos, através do qual o MEC faz um apanhado sobre a educação superior no Brasil. Não sou capaz de dizer as variáveis e os pesos que entram no cálculo, mas sei dizer do meu reiterado aborrecimento com a informação de que os melhores se concentram no Sudeste.

A vontade primeira é de esculhambar com o indicador. Depois a curiosidade me vence e termino indo atrás das tabelas completas que os jornais nunca disponibilizam, mas os sites oficiais geralmente sim. Na de hoje é possível ver que a UFG tem um "IGC contínuo" de 3,56 que a coloca no 29º lugar por este critério e a 0,39 dígitos de atingir a nota máxima do indicador e virar notícia nacional. Fui olhar, então, quem ajuda e quem puxa para baixo essa nota. Até onde pude entender o problema está na pós-graduação. Se fosse apenas pela nota dos doutorados, a UFG cairia para a posição 65 e pelas notas dos mestrados para o 68º posto.

Claro que não sei se entendi direito a tabela, nem como se chega a estes números, muito menos como se faz para eles crescerem. Tô doido pra saber o que as pro-reitorias dizem a respeito. Quando sair uma interpretação decente, por favor me avise.