segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Manifesto contra as antropologias de soslaio e as sociologias de vagabundagem

No próximo ano completarei duas décadas em Goiás, mas ainda lembro da urticária que me dava quando meus alunos e alunas da antiga Feclip e atual UEG de Iporá voltavam de férias cheios de sabedoria sobre o Nordeste. De lá prá cá minha irritação evoluiu muito e hoje beira a ferocidade. Mas, diz aí, tem algo mais aborrecido do que gente que retorna de uma mísera semana de viagem, passada em acomodações sofridas pela grana sempre curta e que desce do voo promocional arrotando ciências sociais de araque, do tipo: "Ah, o povo do nordeste é assim...", "As pessoas de Minas são assadas..."?. Pior do que isso só os pedantes e endinheirados que aplicam a mesma cientificidade rasa à gente de Cacum, de Paris ou da Terra Santa...

Dias atrás, quando o prazo acabou e fui obrigado a sapecar umas considerações finais no trabalho da Telma Nascimento, rápido agarrei um livro que a Michele Franco me emprestou, pra não esquecer dos tempos em que eu lia sem obrigação de entender nem de encrencar com o/a autor/a. Puro deleite. O livro era de Filosofia mas, calma, era uma obra de Luc Ferry, um francês que anda por aí ainda hoje e que, não tivesse outros méritos, sabe por em idioma inteligível reflexões fundas sobre a "condição humana".

Sobre isso, aliás, vai o trechinho do livro lido, escolhido, evidentemente, por ser uma arma potente na minha cruzada contra os essencialistas de todo naipe, sempre dispostos a equiparar humanos a ratos, com suas teses precárias a respeito de nordestinos, mineiros, mulheres, negros, viados, pobres e tantos e tantas mais:

"Os animais têm uma "essência" comum à espécie que precede sua existência individual. Existe uma "essência" do gato ou do pombo, um programa natural (o "instinto") que o faz ser granívoro ou carnívoro, e esse programa é tão perfeitamente comum a todos os membros de uma mesma espécie que a existência particular de cada indivíduo que a ela pertence está determinada do começo ao fim: nenhum gato, nenhum pombo pode fugir dessa essência que o determina do começo ao fim e suprime assim nele qualquer espécie de liberdade. Por isso todos os pombos e todos os gatos se parecem a ponto de de ser quase indiscerníveis...

No que concerne ao ser humano, é o inverso: nenhuma essência o determina inteiramente, nenhum programa consegue jamais encerrá-lo de todo, nenhuma categoria o aprisiona tão absolutamente que ele não possa, ao menos em parte - a da liberdade - dela se emancipar por menos que seja. É claro que nasço homem ou mulher, francês ou estrangeiro à França, num meio rico ou pobre, da elite ou popular etc. Mas nada prova que essas categorias de partida me apresem nelas para o resto da vida"

Um comentário:

  1. Ahhhh Wal ,vc está se chateando há decadas em Goias !?...Então não se aventure por aqui , vc passaria de feroz a serial killer ....uma ignorancia essa gente que insiste em separar a gente como se fossemos lixo reciclável !Sua prima Carla que há 4 decadas aguenta essa mesma ladaínha em Sampa .Merveilleux Monsier Ferry, Il est Juste !

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